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Publicado em 29 de março/2021.
O assunto é polêmico, e ainda permeado por muitas dúvidas: vacinação e terapêuticas no enfrentamento da COVID-19, do ponto de vista legal. O Sindicato dos Médicos de Minas Gerais assumiu esse desafio, ao realizar um seminário com o intuito de oferecer “alguma luz” à categoria, como disse o presidente do Sinmed-MG, Fernando Mendonça, na abertura do evento virtual, dia 25 de março.
Renato Dresch foi o convidado especial. Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, que vivencia na prática a questão da judicialização, trouxe suas considerações sobre o tema. Também presente Ricardo Hernane, diretor Jurídico Institucional do Sinmed-MG e conselheiro do CRM-MG. A secretaria dos trabalhos ficou com o diretor de Formação Sindical e Filiação do Sinmed-MG, Marconi Moura.
A exposição dos temas coube aos assessores jurídicos do Sinmed-MG, Paloma Marques e Daniel Mendes. No primeiro bloco – Vacinação – a advogada Paloma falou sobre o posicionamento atual do STF; papel da Anvisa; variação da interpretação jurídica x interpretação médica. Já o advogado Daniel Mendes abordou a liberdade de escolha em ser vacinado ou não e seus impactos na saúde pública.
O segundo bloco tratou do tema “Terapêuticas no enfrentamento da COVID-19”, abordado pelo advogado Daniel Mendes, sob o aspecto da autonomia do médico e do paciente. Leia as palestras desse bloco em https://sinmedmg.org.br/a-escolha-das-terapeuticas-para-enfrentamento-a-covid-e-a-obrigatoriedade-da-vacina-foram-temas-do-seminario-promovido-pelo-sinmed-mg/
Os presentes destacaram a importância de lutar pela rápida cobertura vacinal para o combate à pandemia, incluindo especialmente os médicos que são os responsáveis pela assistência à população. Destacaram também o tempo perdido com discussões que não se baseiam em evidências científicas, e a necessidade de união da categoria médica neste momento, para se chegar a um consenso em benefício da população.
RENATO DRESCH: “EXISTE UM FETICHE EM RELAÇÃO À JUDICIALIZAÇÃO”
Além de emitir opinião sobre os temas tratados, o desembargador Renato Dresch foi convidado a responder perguntas de grande interesse para a categoria médica.
Um dos questionamentos abordou o papel do Judiciário frente à situação pela qual a saúde está passando, escassez de leitos, de medicamentos, de vacinas, de médicos: “Como o poder Judiciário pode interferir nessa realidade? O Estado pode ser responsabilizado por violar o direito à vida, o direito à saúde?”
Ao responder, o desembargador relatou: “Temos hoje um problema sério que é o fetiche da judicialização. Parece que o poder Judiciário traz solução para tudo. Muito pelo contrário, nós do poder Judiciário precisamos tentar ao máximo uma autocontenção, sobretudo em questões técnicas. O poder Judiciário não pode ficar interferindo nas políticas públicas, quando a Constituição Federal já diz que intervenção deve ocorrer sempre que entender que existe ilicitude na prática de ato no serviço público. Não é o Judiciário que vai responder se uma vacina ou um tratamento é melhor que o outro. São questões estritamente médicas. Essa semana, tratando especificamente da questão de transferência de paciente por causa da Covid, um colega falou – vamos devagar, o sistema está colapsado, temos que pensar qual é a cláusula da reserva possível. Se temos um estado ineficiente, qual o ponto de atendimento que o Estado pode nos oferecer?”
O desembargador lembrou que a Constituição diz que a saúde é direito de todos e dever do Estado, com acesso universal e igualitário, mas também fala que isso deve ocorrer de acordo com políticas sociais e econômicas; “Então o poder Judiciário não é o lugar adequado para jogar essas questões. De quem é o poder? O Supremo já falou: a união pode implementar políticas públicas, o estado pode implementar políticas públicas mais restritivas e o município mais ainda. O que poder judiciário vai dizer?”
Para ele, o poder Judiciário não deve interferir, deve analisar apenas a legalidade: “Eu sempre advirto os colegas. Nós precisamos interpretar o sistema de saúde pensando na Constituição Federal. A responsabilidade é limitada aquilo que foi pactuado. Não podemos cair em armadilhas. Não vejo nenhum problema em dizer não, muitas vezes com o coração doendo, mas eu jurei cumprir a Constituição e as leis, e para cumprir a Constituição precisa estudá-la. Primeiro, tenho que compreender que eu não sou profissional da saúde e, sim, do sistema de justiça e como tal devo saber qual é o nosso quadrado, qual é o nosso limite para poder atuar”.
Renato Dresch também foi questionado sobre episódios de judicialização por grupos específicos da sociedade pedindo a imunização. Em sua resposta, o desembargador disse que é preciso seguir o plano nacional de imunização e que não existe nenhum amparo jurídico para sobrepor à lista:
“Não cabe ao poder Judiciário, ao Ministério Público ou a Defensoria Pública criar essa lista. A escolha, mesmo que não seja boa, é da Administração Pública. O sistema de Justiça precisa deixar que as questões técnicas sejam resolvidas. Como falei, esse fetiche da judicialização tem que ser rompido. Poder judiciário contenha-se dentro das suas atribuições”.
O desembargador também opinou sobre a questão de agentes públicos – políticos, vereadores, sem formação na área de saúde – indicarem o Kit COVID, o que acaba criando um instrumento de pressão, uma situação de constrangimento para o profissional que está prescrevendo. A pressão pode vir também do profissional médico em posição hierárquica superior, seja no serviço público ou privado.
Em sua resposta, o desembargador concordou com a opinião do diretor do sindicato e conselheiro do CRM-MG: “Prescrever sem ser médico denota exercício ilegal da Medicina, e o código penal trata disso. Sobre a pressão do médico por outro colega: a autonomia do médico é absoluta, mas tem que ter sintonia com a autonomia dos pacientes. Se um médico na função de gestor, na função hierárquica impõe uma conduta ele estará infringindo o Código de Ética Médica e pode responder por isso”, disse Ricardo Hernane.
Para o desembargador, quando o gestor público tenta impor uma restrição à autonomia do médico, ele pode ser denunciado pela prática, no mínimo., de uma improbidade administrativa, sem falar da questão penal.