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Em reportagem exclusiva para o Sinmed-MG, Carlos Starling, infectologista e integrante do Comitê de Enfrentamento à COVID-19 do município de Belo Horizonte, avalia a situação da pandemia e explica porque foi necessário fechar os serviços não essenciais.
Publicado em 15 de Janeiro de 2021.
A epidemia está em franco processo de aceleração no país inteiro. Em Belo Horizonte não é diferente. Certamente, isso tem a ver com as aglomerações de final de ano, com as festas clandestinas. O fato é que parte da população não respeitou os princípios que vinham sendo preconizados desde o início da epidemia, como distanciamento social, uso constante de máscara, higiene das mãos e evitar aglomerações. Estamos num momento extremamente delicado da epidemia.
Estamos com 85% dos leitos de terapia intensiva ocupados em Belo Horizonte, uma situação extremamente preocupante. Até então só tivemos esse nível de ocupação em julho, pico da epidemia. Esperamos que com as medidas de restrição de mobilidade social consigamos diminuir a velocidade e o número de leitos ocupados com pacientes com trauma e doenças associadas à grande mobilidade, sobrando mais leitos para os pacientes com COVID.
Claro. Essa é nossa preocupação principal e há sim essa possibilidade. Exatamente por isso sugerimos a adoção de medidas restritivas em relação à mobilidade social, fechamento do comércio, fechamento de bares e restaurantes, um combate incessante às aglomerações clandestinas. É importante que essas medidas sejam adotadas também pelos municípios que compõem a região metropolitana e que drenam seus pacientes para Belo Horizonte.
O fechamento do comércio faz parte da estratégia de redução da mobilidade social. Se não reduzirmos a mobilidade social seja no comércio, nas escolas, no transporte público, o vírus vai continuar circulando com a mesma velocidade e com isso ocupando leitos de terapia intensiva que são mais que necessários neste momento para que possamos atender a demanda da pandemia. Infelizmente, isso exige um sacrifício, esperamos que seja pelo menor tempo possível. Estamos chegando na vacina e medidas como essas certamente vão reduzir a pandemia ao longo deste 2021. Essa é a nossa expectativa.
Como médico infectologista voluntário do Comitê de Enfrentamento não tenho condições de falar sobre a política de recursos humanos da Prefeitura. Sei que foram contratados centenas de profissionais para atendimento da COVID; montados pelos menos dois centros especializados para atendimento exclusivo da COVID; um centro de atendimento a profissionais de saúde específico onde são feitos testes sistemáticos para diagnóstico da doença; foram abertas centenas de leitos na rede própria; foi feita parceria com a rede privada no sentido de oferecer telemedicina. Em relação à população, também foram uma série de ações, como alocar pessoas com vulnerabilidade em hotéis da cidade que estavam vazios; distribuição de kits de limpeza, kit alimentação para as crianças em substituição ao lanche nas escolas. Enfim, foram várias medidas no sentido de amenizar o sofrimento da população.
A Prefeitura fez uma reserva emergencial de vacinas junto ao Butantã e à Fiocruz, e também negociações com a Pfizer. Entretanto,i sso é o plano B. O que a Prefeitura espera é que o PNI (Programa Nacional de Imunizações) assuma essa responsabilidade e caiba a ela, como sempre fez, organizar o processo de vacinação na cidade, aplicando e distribuindo as vacinas, de acordo com o planejamento do Governo Federal. Esse é o plano A. O plano B é uma reserva caso ocorra algum problema relacionado ao PNI.
Apesar de nós sermos a cidade do país com mais de um milhão de habitantes com a menor mortalidade, certamente tem muita coisa que precisaria ser feita para minimizar o sofrimento da população. Poderíamos ter testado mais, feito mais inquéritos sorológicos, mas as dificuldades estruturais, principalmente para aquisição de kits no mercado nacional e mesmo internacional, nos limitou muito e dificultou o trabalho. Apesar de não ter sido perfeito, foi um trabalho plenamente reconhecido pela população ou pelo menos pela maioria da população, como mostraram as urnas.
Esse é um problema sério mesmo. Sabemos muito bem que são necessários de 3 a 5 anos para formar plenamente um intensivista. Então, não é uma situação confortável e fácil de ser resolvida. Precisamos, sim, de ter uma política de formação de intensivistas, de remuneração, etc, mas isso extrapola o espectro de ação da própria Prefeitura.
Uma das lições mais importantes é a valorização do setor público. Em Belo Horizonte, nós temos, apesar de todas as deficiências, uma das melhores redes do SUS do país. Essa rede precisa ser cada vez mais fortalecida.
Outro aspecto extremamente importante é um investimento cada vez maior na estrutura de vigilância epidemiológica, com a capacidade de produção de dados em tempo real. A informatização do sistema é absolutamente fundamental. Vimos a necessidade também de ter um rede integrada entre municípios, estado de governo federal.
A capacidade da nossa rede laboratorial também precisa ser aprimorada, para que possa responder às demandas mais rapidamente e num nível de sofisticação que essa e outras epidemias irão exigir. Esses são caminhos que devem ser seguidos nos próximos anos, e que certamente merecerão novos investimentos, para que possamos enfrentar essa e as futuras epidemias.